quinta-feira, 27 de março de 2008

As zebras sumiram

Uma olhada na tabela de classificação dos principais campeonatos estaduais do Brasil mostra uma situação inusitada. As tradicionais zebras simplesmente não deram as caras esse ano. No principal torneio, o paulistão, Ponte Preta e Guaratinguetá ainda estão no páreo, mas com aquele jeitão de cavalo paraguaio. Palmeiras, São Paulo e Santos estão em alta e devem atropelar na reta final.

No Rio de Janeiro, o Flamengo faturou a Taça Guanabara e os quatro grandes estão sobrando no returno. E olha que dois deles estão dividindo a atenção com a Libertadores, coisa que há muito tempo não acontecia.

No Sul, não tem pra ninguém. No Rio Grande, Grêmio e Inter dominaram com folgas a primeira fase e não deram espaço para os clubes da serra. Em Santa Catarina, onde a Chapecoense e o Atlético de Ibirama disputaram finais recentes, esse ano vai dar Figueira, talvez Criciúma, no máximo, Avaí. Um pouco mais em cima, no Paraná, Coxa e Atlético também mandam na classificação.

Em Goiás, a melhor campanha é do Goiás; na Bahia, do Bahia; em Pernambuco, do Sport. Apenas em Minas Gerais o líder não é um dos grandes, o heróico Tupi, de Juiz de Fora. Mesmo assim, o Cruzeira está em sua cola, um pontinho atrás.

Talvez seja apenas um ano atípico e de pouca sorte para os pequenos. Mas pode ser uma tendência com uma explicação bem óbvia. O calendário do futebol brasileiro é cada vez mais injusto com quem não disputa a série A ou a B. Está difícil até para os clubes do rico interior paulista montarem equipes competitivas para jogar por três meses e passar o resto do ano parados ou disputando torneiozinhos de faz-de-conta.

segunda-feira, 24 de março de 2008

A legislação não tem culpa (mas alguém tem)


A Lei Pelé completou hoje dez anos de vida sem trazer grandes alterações à realidade do futebol brasileiro. A data foi lembrada com nova saraivada de críticas de dirigentes esportivos. O portal Uol deu especial destaque para os comentários de Vanderlei Luxemburgo, que repetiu discurso facilmente ouvido no dia-a-dia dos clubes na última década:

- Os atletas não conquistaram liberdade, pelo contrário, são os mais prejudicados. Já participei de algumas negociações, e muitas vezes vi que a porcentagem que fica com o jogador é menor do que a que fica com o empresário e o clube. Por isso, é preciso rever a lei e privilegiar os atletas brasileiros – defendeu.

Desde que foi aprovada, a legislação e os empresários são apontados por treinadores, cartolas e dirigentes como os grandes vilões do futebol brasileiro. Meu trabalho de conclusão de curso, apresentado em julho passado na UFSC, traz um capítulo sobre o tema. Abaixo segue um trecho dele que demonstra que, ao contrário do discurso padrão repetido preguiçosamente por jornalistas, são a incompetência e a conivência dos dirigentes as grande responsáveis pela situação falimentar do futebol brasileiro. Não é a Lei Pelé.

Assim como em quaisquer setores da sociedade brasileira, as mazelas não são fruto da legislação, mas sim da postura de quem a aplica.

De acordo com a lei 9.615/98, batizada de Lei Pelé, os clubes podem assinar o primeiro contrato profissional quando os jogadores completam 16 anos, estabelecendo o pagamento de multa rescisória. Outra opção é manter os atletas como amadores até os 20 anos, mas deixando a porta aberta para possíveis saídas. “Os clubes nem sempre assinam o contrato profissional por medo de questões trabalhistas. Pode acontecer de o jovem não progredir e haver a necessidade de um rompimento de contrato com pagamento de indenização”, explica Luciano Hostins, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva de Santa Catarina.

Assim que a lei entrou em vigor, em 2001, muitas equipes ignoraram a possibilidade de terem elas mesmos que pagar essas multas rescisórias. Na ânsia de segurar seus atletas, optaram por profissionalizar os jogadores da base e prorrogar o contrato da maioria dos profissionais, estabelecendo indenizações milionárias. Assim, era como se continuassem donas do passe dos jogadores. Deixaram de ler, porém, um ponto fundamental da nova legislação. Todo atleta com o salário atrasado em três meses poderia pedir o rompimento do contrato e exigir o recebimento da multa rescisória determinada pela própria diretoria.

Só o Coritiba acumulou dívidas de R$ 50 milhões até 2002, entre reclamatórias trabalhistas e débitos com o fisco. Nos últimos anos, para manter o departamento profissional funcionando, a estratégia da diretoria foi enxugar o quadro de funcionários, renegociar as dívidas e voltar a apostar nos jogadores das categorias de base. Com essa fórmula, já pagou mais de R$ 30 milhões do que devia. O diretor jurídico do Coxa, Fernando Barrionuevo, porém, não culpa a legislação. “O estado crítico de muitos clubes deve-se à má gestão financeira e patrimonial. Os bem organizados se adaptaram à nova realidade”, garante.

Entre os clubes apontados até pelos adversários como exemplo de adaptação à Lei Pelé está o Internacional. No Colorado gaúcho, os contratos com os atletas, que antes eram de um ou dois anos, passaram a ser de três a cinco. A nova política valia também para os atletas que chegavam de fora, mas tinha como foco os recém promovidos dos juvenis e dos juniores. “A legislação realmente facilitou a saída dos jogadores, porque acabou com o vínculo vitalício do passe. Mas os clubes tiveram três anos [entre a aprovação da Lei e sua entrada em vigor] para se preparar, e alguns conseguiram”, avalia o advogado Eduardo Carlezzo.

Outro clube que apostou no prolongamento do contrato dos atletas recém promovidos das categorias de base foi o Atlético Paranaense. Dessa forma, conseguiu segurar suas jovens promessas e ainda faturar alto com o recebimento das multas rescisórias. Apenas as vendas de Kléberson, para o Manchester United em 2002, e de Fernandinho, para o Shaktar da Ucrânia em 2005, renderam cerca de R$ 45 milhões. Ano passado, o rubro-negro faturou cerca de R$ 33 milhões na venda de dez jogadores para o exterior.

O presidente do conselho gestor do clube, João Antônio Fleury da Rocha, ressalta que a adaptação à nova legislação exigiu a contratação de uma assessoria jurídica especializada. De acordo com o dirigente, o Atlético não gasta menos de R$ 50 mil por mês com advogados. “É um investimento que nem todo mundo está disposto a fazer. À primeira vista, parece dinheiro jogado fora”, comenta.

Exemplos como o do Inter e o do Atlético vão de encontro às alarmantes previsões feitas ainda em 1997, pelo Clube dos 13. Há exatos dez anos, a entidade criada para defender os interesses políticos e econômicos de times como São Paulo, Vasco e Bahia, divulgou um manifesto afirmando que o fim do passe implicaria “no êxodo crescente de atletas para o exterior, sem qualquer indenização para o clube formador”, levando à “falência irreversível” das equipes. Hoje, o Clube confirma suas previsões e afirma que a formação de atletas foi desestimulada e que os empresários tornaram-se os senhores do futebol brasileiro.

Quatro advogados especializados em direito esportivo ouvidos pela reportagem concordam que a lei foi prejudicial às equipes, ao acabar com seu principal patrimônio, o passe dos atletas. Destacam, porém, que essa realidade não é exclusiva do Brasil. O fim do passe surgiu na Europa em 1995 [ver box] e era inevitável que mais cedo ou mais tarde chegasse por aqui. “A legislação esportiva segue a tendência européia e não pode ser culpada pela situação dos clubes. Mas a especificidade brasileira é que a Lei Pelé não dá segurança jurídica às equipes. Muitos atletas são formados nas categorias de base e retirados sem qualquer direito à indenização”, afirma Luciano Hostins.

Para o catarinense Marcílio Krieger autor da obra Lei Pelé e Legislação Desportiva Brasileira Anotadas (2000), os cartolas são coniventes com a saída das jovens revelações. “Convém aos dirigentes não terem estrutura e balanço dos custos de formação de cada atleta porque assim eles podem levar dinheiro por fora nas negociações. Depois, dão entrevista dizendo que a Lei Pelé é uma droga, mas a verdade é que os clubes não têm interesse em fazer um acompanhamento correto da base”, acusa.

Possíveis alterações na lei, para proteger os times formadores e reduzir o poder dos empresários já estão em discussão no Congresso...Dentre as possíveis alterações na Lei, a volta do passe está fora de questão. Discute-se outra forma de proteção aos clubes formadores de atletas. Hoje, o primeiro contrato profissional só pode ser assinado quando o jogador completa 16 anos. Antes disso, porém, a maioria dos garotos já tem procuração assinada com empresários e sonha em jogar na Europa. A redução da idade de assinatura do vínculo federativo com o clube, explica o advogado Eduardo Carlezzo, é uma das possíveis alterações. Outra delas seria aumentar o prazo do primeiro contrato profissional, de cinco para sete anos – ou pelo menos até o atleta completar 23 anos.

Para agilizar as alterações na legislação, o Ministério dos Esportes elaborou o Projeto de Lei 5.186/05, já em tramitação no Congresso, que protegeria os quadros formadores. A intenção do ministro Orlando Silva é que o projeto seja discutido com prioridade. O Clube dos 13 comemora a sensibilidade do governo em “abreviar as dificuldades produzidas pela legislação vigente”. O presidente paranista José Carlos de Miranda, que não participa do clube, faz, porém, uma observação que pode levar a discussão a outra esfera. “Se a lei mudar, vai melhorar para os clubes, mas eles vão continuar dependendo da exportação de seus jogadores. É uma questão de poder econômico”.

Banho de água quente

A recente onda de violência no futebol chegou a um pacato jogo da categoria sub-16 do campeonato uruguaio, provando que elementos mal intencionados freqüentam estádios em qualquer canto onde 22 homens decidam correr atrás de uma bola.

No acanhado estádio Parque Ancap, o assistente Hugo Collazo bandeirava a partida entrer River Plate e Fênix quando, aos 36 do segundo tempo, foi agredido pelas costas por um torcedor que lhe jogou água quente. O líquido estava guardado em uma garrafa térmica usada para preparar o tradicional chimarrão.

O bandeira sofreu queimaduras de primeiro grau nas costas da cabeça e teve que ser levado a um hospital de Montevidéu. A associação de árbitros vai analisar o caso e exigir medidas que garantam mais segurança ao Ministério do Interior.

Por conta de um só torcedor, os uruguaios podem ser impedidos de entrar nos estádios com seu tradicional chimarrão a tiracolo. Lá, como cá, uma pessoa desequilibrada pode fazer a má fama de toda uma torcida.